Monday, July 31, 2006

Ruído de Fundo

Os dias acordavam e o barulho de fundo continuava por ali instalado... A Noite já não conseguia dissipar aquele ruído intenso que se acumulava profundamente nos timpanos de cada um dos que ali se encontravam... naquele espaço vazio e cheio. Vazio de pessoas, apenas cheio de seres cuja razão um dia teriam perdido, alimentando agora apenas o âmago de que se locomoviam e sabiam gritar, gritar, gritar alto... a voz é minha!!! Só eu sei como usá-la!!! Percebeste??? Entendeste bem??? Com o passar dos tempos os ouvidos já não tinham reacção ao zumbido feroz, ter-se-ia instalado dentro deles um sintoma de habituação, como que algo que já não fere, já não doi, já não reage, já nada afecta ou atinge nada... nada... O estado outrora anormal seria nesse momento um paradigma sem discussão, um estado comum... Tal como o principio de Le Chatelier um dia me dizia nas aulas de química, qualquer sistema cujo o equilíbrio é perturbado, tende a restablecer um novo estado de equilíbrio. Aplica-se tão bem aqui! Mas todos se tinham esquecido de que esse re-equilíbrio adequirido teria como consequência a perda de audição, o desiquílibrio da vibração vocal constante... Sem mais nem menos os seres gritavam para falar, gritavam para se fazer ouvir, numa conversa comum, num espaço qualquer... O barulho da televisão seria um estrondo alucinante para o oculto ser que por ali passava pela madrugada... O som do altifalante fazia vibrar as janelas, fazia desassosegar o sono do rouxinol, perturbava o trânsito existente, matava o silêncio natural, acelerava o fluxo do vento, a energia do universo aparentemente inerte... Que estranho fenómeno de choque...!!! Que cadeia viciosa!!!... Um dia... não sei porque... o vidro partiu-se, quebrou-se, estalou bem forte para todos ouvirem que a natureza sintética também gritava.... Esse grito foi mais arrepiante que qualquer fenómeno vocal traduzido pelos seres que ali habitavam... Nesse momento já seria tarde para restaurar o equilíbrio naquele espaço perturbado... Ou não?! ...
No quotidiano dos dias que correm as pessoas parecem ter perdido o descernimento, a capacidade de pensar sobre as coisas, o raciocínio esvaziou-se ou continua a perder-se no universo da sua mente. Usam a voz como que tentando impôr um discurso e não o seu cébrebri para comunicarem, Usam os gritos como fenómeno natural e já não sabem o que dizem... Quando todos os mecanismos parecem usados só restam as palavras azedas, os vocábulos amargos, os ditôngos sem sentido... É assim que as pessoas hoje em dia caminham... Enchem-se de ruído, ruído... ruído... A filosofia e a arte de pensar consomem-se dia após dia... parece que a inspiração se perde e as palavras certas se esgotaram... É assim a sociedade dos nossos dias! Loucos que gritam alto! Loucos que já não escutam! ... simplesmente Loucos!!!

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Achei piada, chegar a casa, ligar o computador, ver o teu
blog e ler um texto sobre o assunto em questão: a alteração dos
códigos, neste caso da linguagem. Ainda hoje à tarde estive a falar
sobre isso no meu grupo de amigos. O assunto veio à baila porque eu
disse que me estava a tornar numa pessoa que cada vez fala menos. E
isso porque as pessoas nao estão interessadas em ouvir. As pessoas
apenas querem falar, falar, falar e falar. Elas nunca nos querem
ouvir, contudo, exigem a nossa máxima atenção.gostei muito de ler o texto. Uma forte
dinamica e agressividade de frases. Gosto do abuso de virgulas e
reticencias. Isto, claro, avaliando o texto já numa base mais formal.
Confesso que existe uma palavra que, nao sei porquê, fica mal no
texto: "O som do altifalante fazia vibrar as janelas, fazia
desassosegar o sono do ROUXINOL, perturbava o trânsito existente,
matava o silêncio natural..."
A sonoridade da palavra rouxinol, a mim parece-me um pouco deslocada.
Mas é só uma opinião.

5:52 pm  

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